
A ler no Expresso Economia desta semana a entrevista à Dra. Ana Paula Carvalho, colega farmacêutica, directora-geral da maior multinacional farmacêutica.
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Faz 38 anos em Julho. A nova directora-geral da Pfizer Portugal diz que a idade foi sempre um handicap. Porquê? “Sinto que tenho tudo para provar”, aponta sem hesitar Ana Paula Carvalho. É assim desde o início. Tinha vinte e poucos anos quando se tornou directora da área regulamentar e directora técnica do laboratório multinacional Hikma. “Tive sempre que me preparar muito bem para os assuntos e demonstrar que a idade não é um posto”. É licenciada pela Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa e está na Pfizer desde 2004. Lidera uma empresa com 301 empregados, cuja facturação em 2009 deverá atingir quase €195 milhões (ambulatório). Conciliar a profissão com a vida familiar (tem dois filhos rapazes de 9 e 10 anos), “só é possível com o apoio incondicional” do marido.»“Não nos move sermos número 1”Ana Paula Carvalho directora-geral da Pfizer
O maior laboratório do mundo está a apostar no tratamento do cancro e a compra da biofarmacêutica Wyeth é estratégica. Em Portugal querem reforçar o negócio hospitalar que irá beneficiar das 84 novas moléculas que a Pfizer está a investigar.
É mulher, jovem e lidera a maior farmacêutica em Portugal. Isso é desconcertante para alguns dos seus pares?
A idade não implica falta de responsabilidade. Mas, às vezes, é interessante observar as reacções. No primeiro encontro que tive com o dr. Luís Portela (Bial) as primeiras palavras que ouvi foram: “É mesmo nova como me tinham dito”.
Foi nomeada em Dezembro e um mês depois a Pfizer comprou a Wyeth. Como está a integração?
Deve estar concluída, a nível mundial, até ao final do ano. O processo de transformação baseia-se na criação de unidades de negócio, o que dá autonomia e permite beneficiar da economia de escala decorrente da nossa dimensão. Portugal foi o primeiro país da Europa a adoptar a nova estrutura com as áreas de ambulatório, oncologia, especialidades (antiga hospitalar), produtos maduros (sem patente) e saúde animal. Cada director das divisões tem responsabilidade absoluta.
Vantagens?
Estamos mais focalizados e reduzimos as burocracias relacionadas com o apoio à investigação, a revisão dos materiais de informação médica e avaliação de parcerias locais. O tempo entre a oportunidade e a decisão é muito mais curto.
Porque é que a oncologia é uma das áreas satélite?
Temos um pipeline muito rico e existem grandes lacunas em termos de terapêutica, sobretudo ao nível da qualidade de vida.
Com esta compra passaram a liderar o mercado de ambulatório em Portugal, mas o mesmo não acontece no hospitalar. Vão reforçar neste negócio?
Aquilo que nos move não é sermos número um porque associado a isso está a ideia dos todo-poderosos e arrogantes. Mas respondendo à questão: sim, estamos a investir mais em investigação e desenvolvimento sobretudo nas áreas do cancro, imunologia, inflamação e dor. E aqui a aquisição da Wyeth veio reforçar a oferta hospitalar.
A Wyeth serve para compensar a falta de inovação e a perda de patentes?
Vamos passar a estar em áreas como os biológicos e as vacinas. Mas, sozinhos, temos 106 medicamentos em investigação clínica, dos quais 84 são novas moléculas. Em 2012 queremos submeter entre 15 a 20 pedidos de AIM (autorização de introdução no mercado) na Agência Europeia de Medicamentos.
Estiveram demasiado focados na criação medicamentos recordistas de vendas?
No futuro, nenhum medicamento Pfizer pode contribuir para mais de 10% das receitas da empresa. Não podemos ficar dependentes disso, como aconteceu com o Lipitor (colesterol) que vale 25% das nossas vendas.
A integração envolve despedimentos. Portugal incluído?
Toda a informação que diga que vai haver impacto em termos de postos de trabalho é pura especulação.
Estão a atrasar a entrada de inovação nos hospitais devido à contenção nos gastos?
O escrutínio hospitalar é mais complexo. Achamos saudável que existam ferramentas de apoio à decisão, mas preocupa-nos a morosidade na decisão.
Quanto tempo demora?
Há medicamentos pendentes um ano e outros em avaliação por dois anos. Mas isso não implica que os doentes não tenham acesso às terapêuticas, através das autorizações de utilização especial.
O Governo decidiu ceder genéricos a reformados com pensões abaixo do salário mínimo. Para a indústria de marca isto já tem um prejuízo contabilizado?
Não. Reconhecemos o mérito da iniciativa, no entanto achamos que o justo seria que estes doentes também tivessem acesso a medicamentos de marca, porque não há genéricos para todo o tipo de substâncias activas.
Porquê a guerra de patentes? Lutamos pela protecção da propriedade intelectual. É uma questão de competitividade e nós precisamos de tribunais que decidam de forma justa e rápida. Sem isso não há investimento em inovação e sem novos medicamentos o próprio mercado de genéricos fica em causa.
Metade da patente de 20 anos é para a investigação. Restam dez anos de mercado. É pouco?
Sim. Sobretudo, em Portugal porque as comparticipações são morosas. Chegamos a ter menos de oito anos de patente.
É possível abreviar os estudos clínicos?
A indústria está a trabalhar para encontrar uma solução. É importante ter ensaios clínicos que demonstrem a segurança e a eficácia dos medicamentos, mas a demonstração da efectividade faz-se no mercado.
O que pensa da unidose (dispensa avulsa)?
Com preocupação. Somos contra a reembalagem de medicamentos e somos fortes apologistas de mais inspecções e auditorias ao próprio processo de distribuição de medicamentos.
Ana Sofia Santos e Vera Lúcia Arreigoso assantos@expresso.impresa.pt