Paulo Mendo, n'
O Primeiro de Janeiro:
Após uma decisão de construção, alicerçada em anos de estudo, depois de gastos mais de cinco milhões de euros, o Centro Materno Infantil (CMI) do Porto aborta, muito para além das dez semanas, mas seguramente despenalizado, descriminalizado e com a culpa morrendo solteiríssima. Tudo foi legal, tudo foi por amor à Pátria, tudo foi em nome de uma boa gestão, da atenção constante aos dinheiros públicos e a contento das sensatas autoridades! Para o golpe final, pediram-se, até, opiniões técnicas, como o costume!.
É evidente que qualquer comissão técnica estuda a forma mais racional, económica e rápida de execução do projecto... que o poder político lhe encomenda. Não cria novos objectivos, nem define políticas, como comissão técnica que é, orienta o gabinete político propondo a melhor forma técnica de atingir os objectivos que ele lhe definiu. Por isso, se a Comissão conclui que o melhor é não fazer o Centro, das duas uma, ou está a sobrepor-se à decisão do Governo, o que não acredito, ou está a propor a melhor maneira de se realizar o que o Ministério lhe pediu, o que quer dizer que a história do Centro passou de esperança, a drama e agora, a farsa.
Espero não ver o ministro usar como álibi para encerrar esta triste história, um estudo técnico feito sobre linhas orientadoras que só ele podia ter indicado. Se o Hospital Maria Pia se vai entalar no Hospital de Santo António e se o ambulatório (Pediátrico?,da Mãe e da Criança?) se vai fazer num anexo da Maternidade Júlio Dinis, isso não será por decisão de comissões técnicas, mas porque o ministério não quer, ou discorda, ou considera de pouco interesse, a existência de um CMI no Porto, pensado e projectado como o foi há mais de dez anos.
O que é, para mim, sintomático da lamentável cultura anti natalista que varre a Europa e que no nosso país parece ter cristalizado no problema técnico do aborto bem feito e das doenças infantis bem tratadas. É esquizofrenia social pura reduzir a política da maternidade à liberdade de abortar e ao direito de ser mãe, com a garantia de que o Estado paga e executa o aborto e paga e executa tudo o que for necessário para provocar uma gravidez!
Uma política que quer garantir a boa execução dos abortos legais, sejam eles quantos forem e o direito à gravidez, tem que, previamente ou simultaneamente, garantir uma cobertura do País com centros vocacionados para a protecção da maternidade e da família.
Sobre este tema, quando o Governo parou a construção do CMI , relembro o que escrevi neste nosso jornal, em Outubro de 2003:
"...Matou-se o projecto que pretendia reunir numa instituição de saúde todas as áreas que dizem respeito ao bem estar, manutenção da saúde e tratamento da doença, do grupo prioritariamente alvo de qualquer política de saúde, que é a mulher, a mãe e o seu filho.
Qualquer cidadão atento sabe que são as mulheres e as crianças os maiores frequentadores dos serviços de saúde. E todos sabemos que são as mulheres, mães e esposas, que estão atentas à saúde dos maridos, dos seus pais e dos seus filhos. São elas que aconselham, que vigiam, que educam a família, que frequentam os Centros de Saúde, aí levam os filhos e aí conseguem levar pais e maridos, normalmente muito mais "distraídos".
Por isso o grande agente da difusão de hábitos de comportamento favorecedores da saúde, a grande educadora das crianças, de modo que elas, quando adultas, tenham comportamentos sadios e saibam o que devem procurar e o que devem exigir dos serviços de saúde, é, indiscutivelmente, a mulher, a mãe de família. Daí que toda a política de saúde deva ser executada tendo em conta esta excepcional colaboradora e cliente. É com ela que temos que construir uma sociedade de hábitos sãos que tenha um relacionamento fácil, colaborante e tempestivo com o médico e instituições de saúde.
...E foi baseado nestes mesmos princípios de política de saúde que foi pensado e lançado o Centro Materno Infantil do Porto. Perante um Hospital Pediátrico, o Hospital Maria Pia, impossibilitado de se desenvolver nas acanhadas instalações onde ainda vive e uma Maternidade Júlio Dinis, necessitando também de obras de modernização, mas possuindo um edifico de grande valor arquitectónico e de espaço envolvente, os Governos decidiram que seria chegada a altura de construir não um hospital para tratar doenças, (uma grávida e um bebé não são doentes, com lembrou o Prof. Nuno Grande), mas sim uma instituição ( e daí o nome de Centro ) orientada para ocupar um lugar de excelência na protecção, manutenção, tratamento e investigação da saúde da mulher e da criança. Trata-se de uma área onde diariamente estão a surgir técnicas que irão revolucionar, já estão a revolucionar, o acompanhamento da gravidez e do parto, a medicina fetal, a medicina preditiva, a procriação assistida, levantando permanentes problemas éticos e de actuação que justificam e obrigam à existência de instituições actuando com esta filosofia e não só com lógica hospitalar. O Centro seria assim uma instituição enraizada na medicina familiar, embora naturalmente tivesse uma área de internamento pluridisciplinar bem desenvolvida que, para situações especiais, raras e complicados tivesse sempre o apoio de um Hospital próximo e de um Centro de investigação genética. E o Hospital de Santo António está a quinhentos metros de distância, tal como o Instituto de Genética Jacinto de Magalhães." Era este Centro, de vanguarda em Portugal e na Europa, que estava decidido, que mas ventos contrariaram e que, agora, acaba de ser morto. A cidade, cansada, deixa, os hospitais gerais até gostam e o Hospital de Criança Maria Pia, a que cidade e o Norte tanto devem, vai desaparecer sem nada deixar, a não ser a nossa mágoa. Ficam cinco milhões gastos, doze anos perdidos e a vergonha dos políticos! Mas aborto e gravidez, a pedido, o Estado garante!