O meu primeiro emprego foi no Hospital de Fafe. Fazia muitas urgências; jovem e disponível, no Verão chegava a estar mais de 2 meses sem um único dia de folga. Era um Hospital pequeno, de província; sozinho assegurava o Laboratório de Análises e o Serviço de Sangue.
Lembro-me de muitos episódios, uns agradáveis, outros dramáticos, passados nos fins de 80. A propósito da reestruturação das urgências recordo agora dois:
Quarta-feira, ao fim da manhã, dá entrada um idoso, muito combalido, apresentando queixas de dor forte no peito irradiando para o braço esquerdo. Desde quando? Desde Domingo. Desde Domingo e só agora vem à urgência? É que no sítio onde moro - lá para a serra, onde passava o rali - só há carreira à Quarta, dia de feira, e por isso só hoje pude vir. Lá vou eu a correr fazer os CK; o homem tinha um enfarte do tamanho de um elefante!
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Domingo à tarde, víamos o filme da tarde, sossegados, pouco que fazer, entra uma ambulância a fazer uma chinfrineira medonha. Vem o Bombeiro, de Celorico ou Mondim, e diz que traz uma parturiente. Ó homem aqui não há Maternidade, tem que seguir para Guimarães; eu não sigo para lado nenhum, a mulher andava a cortar erva no campo e rebentou-se-lhe a bolsa de águas vai para 2 horas, até já se vê a cabeça da criança. Tem que seguir para Guimarães. O Bombeiro estava em choque, tremia e suava como um cavalo febril. Um dos dois clínicos foi à ambulância e confirmou a história. Entra a mulher, aos gritos, de pernas abertas e ainda com umas meias de feltro grosseiro, cheias de ervas e lixo, gritando, dizendo ai que vou morrer, ai que vou morrer mais o meu filho, acudam-me...
Nenhum dos três morreu. Estatisticamente estes casos, verídicos, são irrelevantes - mas correspondem a três vidas.
Talvez os peritos considerem que mesmo que sem Urgências em Fafe, eles não morreriam. Talvez.
As Urgências de Fafe vão fechar em breve.