No
Público de hoje, Francisco Batel Marques e José Aranda da Silva, muito bem:
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Uma das mais
recentes medidas da política de saúde incidiu sobre as margens de lucro na
comercialização dos medicamentos. Esta medida é imposta pelo denominado
Memorando de Entendimento (MoU) que refere que deve ser tida em conta a
experiência de outros estados membros . À cabeça a medida deverá reflectir um
impacto no encargo financeiro directo do Estado e dos doentes, decorrente da
diminuição das margens de comercialização do circuito de distribuição e de
dispensa dos medicamentos: grossistas e farmácias. Esta medida, enquanto
componente de um pacote mais lato na área do medicamento, integra o plano de
recuperação da economia portugesa, e caracteriza-se, no que às farmácias diz
respeito, por três eixos fundamentais, a saber:
1. regressividade das margens de lucro em função do preço
do medicamento, isto é, quanto maior o preço, menor a margem de lucro;
2. pagamento de um quantitativo complementar fixo,
independente da margem de lucro da farmácia, como forma de remuneração do
serviço prestado pelo farmacêutico, e
3. existência de um tecto, ou seja, de um preço, a partir
do qual a farmácia deixa de ter margem de lucro, passando a receber um valor
constante.
Esta situação é
nova entre nós e criou um novo cenário do exercício da actividade do
farmacêutico e no modelo remuneratório da farmácia.
Primeiro, porque
afasta a farmácia do princípio de que quanto mais caro for o medicamento, mais
ganha.
Segundo, porque
estabelece o reconhecimento do acto do farmacêutico ao estabelecer uma
remuneração pelo seu serviço em cada medicamento prescrito e comparticipado que
cede aos seus doentes.
Terceiro, porque
retira a base de sustentação ao argumento de que a actividade farmacêutica é
meramente comercial.
Quarto, porque
cai pela base a ideia, tantas vezes e tão intensivamente propalada, de que a
farmácia é um custo acrescido para o sistema de saúde e não um serviço que lhe
acrescenta valor.
Quinto, porque
desapareceu a justificação para que certos medicamentos tidos por muito caros,
e que constituem inovações terapêuticas, estejam acessíveis apenas nos
hospitais, com o argumento de que a margem de lucro das farmácias os tornaria
ainda muito mais caros.
Importa, aqui e
agora, afirmar que as farmácias e a actividade dos farmacêuticos são hoje
remuneradas por margens lucro que diminuem à medida que o preço do medicamento
aumenta e que, para medicamentos com preço igual ou superior a 50.01 €, (preço
de venda do laboratório ao armazenista - PVA), deixa de existir margem, havendo
lugar a um valor máximo, fixo, de 10.35
€ por embalagem cedida. A progressividade da redução das margens de lucro,
fez-se acompanhar de um pagamento suplementar por embalagem de medicamento, em
função do PVA, e cujo intervalo de valores se situa entre os 0,11€ e
1,15€.
Ao analisarmos a
legislação publicada (decreto lei nº 112/2011) para margem e taxa constantes,
não é descortinável nem a a experiência de outros estados membros da UE, como
estava previsto no MoU, nem a fundamentação objectiva de tais valores. Na
realidade os valores remuneratórios estabelecidos como correspondentes ao acto
do farmacêutico são vexatórios, o que, por si, deve excluir qualquer comentário
sério.
. A actividade e
o exercício da profissão de farmacêutico numa farmácia são, hoje, muito
exigentes. Não apenas pelas complexidades técnica, científica, administrativa e
burocrática do processamento da prescrição médica, desde o atendimento do
doente até à facturação e recebimento dos pagadores, mas sobretudo pela
necessidade de, num ponto nodal da prestação de cuidados de saúde – o acesso ao
medicamento e a sua adequação ao doente concreto – ter de gerir em tempo real
as necessidades dos utentes associadas a uma regulamentação complexa, dificil
de aplicar e, quantas vezes, contraditória. Todo este sistema tem custos,
actualmente muito elevados e que a farmácia, e só a farmácia, suporta, mas
cujos benefícios revertem para o estado, para a indústria farmacêutica, para os
doentes, para os outros profissionais de saúde e para a sociedade em geral.
Assim sendo,
todos os agentes têm de estar conscientes de que as farmácias vivem,
actualmente, uma situação financeira (e económica) muitíssimo delicada e estão
a ser objecto de sucessivas e simultâneas medidas que, a não serem
cuidadosamente corrigidas, determinarão, em muitos casos, o seu encerramento a
muito curto prazo. A título de exemplo, é útil que todos saibam que um
medicamento para o colesterol (sinvastatina) com um número de comprimidos
necessário para dois meses de tratamento, custa, actualmente, praticamente o
mesmo que vinte comprimidos de paracetamol para a febre e as dores de cabeça:
pouco mais de um euro e meio e tem menos valor que um pacote de rebuçados. Doze
meses atrás custava, em média, cerca de 15€. E de que estes exemplos se somam
diariamente. E porquê esta situação: porque a diminuição dos preços dos
medicamentos, particularmente os genéricos (que em cinco anos baixaram em
termos médios 56%) conjuntamente à regressividade das margens de lucro e aos
valores estabelecidos para remunerar o acto do farmacêutico ,que não se baseiam
em quaisquer tipo de estudos nem na
comparação com outros países , não permite que as farmácias continuem
sustentáveis. Estamos expectantes e atentos ao acompanhamento da execução das
medidas, tal como estabelecido na actual legislação ao determinar que os
impactos económico, financeiro e social da sua aplicação sejam objecto de
relatório a elaborar pelo INFARMED, I. P.,e pela DGAE, a apresentar aos membros
do governo responsáveis pela área da economia e da saúde no prazo de 180 dias.
Acontece que
quem determina o preço dos medicamentos não são as farmácias: é o estado e a
indústria farmacêutica. Acontece que uma farmácia não determina o que vende: é
o médico e a sua prescrição. Acontece, ainda, que a venda de medicamentos não
sujeitos a receita médica fora das farmácias está concentrada nos
hipermercados.
Ou seja: se não
autonomizarmos, rápida e totalmente, a
remuneração da farmácia e do farmacêutico do preço do medicamento,
estabelecendo valores de remuneração dos farmacêuticos que, não apenas viabilizem
a actividade da farmácia, mas que simultâneamente correspondam ao justo valor
da actividade de um profissional de saúde com elevada diferenciação
técnico-científica, deixaremos de ter cobertura e assistencia farmacêutica
capazes e niveladas por padrões civilizacionais compatíveis com indicadores de
saúde característicos de sociedades evoluídas.
Os responsáveis
políticos em saúde têm nas farmácias e nos farmacêuticos um aliado estratégico
insubstituível à sustentabilidade do serviço nacional e do sistema português de
saúde. Os doentes têm nas farmácias unidades de prestação de serviços de saúde
que constituem apoios essenciais à gestão do seu processo de doença. Os
médicos, enfermeiros e outros profissionais têm nas farmácias e nos
farmacêuticos de oficina aliados fundamentais à prossecução dos objectivos
clínicos, humanisticos e económicos decorrentes das suas actividades
assistenciais.
Os portugueses
devem saber que as suas farmácias hoje ganham tanto menos quanto mais caro é o
medicamento comparticipado que compram.
Os decisores
políticos devem saber que ou assumem a remuneração sustentável das farmácias e
dos farmacêuticos, assumindo, simultaneamente, que o preço e a comparticipação
dos medicamentos é um negócio da sua responsabilidade entre o estado e a
indústria farmacêutica, ou os portugueses incorrem crescentemente no risco de
virem a não ter farmácias ... nem medicamentos em Portugal.»